quinta-feira, 29 de abril de 2010

SE ACASO VOCÊ VOLTASSE...


Quando estávamos saindo de casa, mal saindo, eu te disse que tua mulher quereria transar. Respondeste-me que tudo bem se ela não inventasse variações sobre o tema.
Como me bateu mal!
Tive a certeza que te venderias para ela, existisse eu ou não. Na volta me contaste que ela quis mesmo e de como não funcionasses.
Como me bateu mal!
Se tivesses tido ereção tu a terias satisfeito, existisse eu ou não. Eu existo?
Como foi maluco pensares tantas coisas de mim baseado em outras que aconteceram com a presença tão viva desse fantasma entre nós. Eu sou eu ou sou um reflexo do que não tiveste? Um circunflexo do que ela não te dá? Dona Flor e seus dois maridos é uma história fora de minhas cogitações e não quero um Vadinho vadio me correndo da vida. Iludida.
Duvidasses que eu não estivesse te sacaneando embora não fosse na minha cama que um fantasma dormisse com pernas, braços, cheiro e todos os componentes de mulher. Sem adereços, no escuro vale tudo, não tem endereço. A descarga seminal é feita e o sono vem.
Não paraste para pensar, tu não pensas, alguma coisa devia estar muito errada.
Eu falando esquisito, ou distante, pode ser porque vivas com outra mulher com quem quase, quase, tivesses relações sexuais e tens, diariamente, relações emocionais fortes. Talvez tenhas as duas coisas e não me digas. Não faz diferença alguma já que a traição emocional é ainda mais poderosa. Talvez tomes um porre com ela e então tudo funcione a contento e ainda me declares teu amor confessando que pensaste em mim no ato. Que merda me sentirei.
Tudo fica borrado e penso que ainda me manterás embaixo do tapete, escondida, por causa desse ou daquele que não estão nem aí. Os coitados dos filhos convivendo com pais tão loucos. Os filhos são sempre uma desculpa e tanto para a inércia. Inerte que és.
Os direitos de sentir te pertencem.
Eu tenho entendimento. Sou uma pessoa racional e inteligente, mas parece que as coisas não entram nos trilhos.
Sou emoção e sentimento também, embora estes te convenham apenas na cama. Fora dela se tornam impertinência e divagação. Afinal sou a melhor coisa que aconteceu em tua vida! Como não me sinto satisfeita com esse fenômeno? Como não me basta?
Sentia-me a dona da cocada preta ao ouvir isso até perceber que era pura enrolação para continuares vivendo tal qual um rei no jardim que era meu e não teu. Tu, intruso. Vastidão apequenada pela minha falta de lucidez, falta da racionalidade que tanto admiras em mim. Luz difusa no fim do túnel que não existe. Existe o túnel que se estreita e me aperta levando-me para longe de ti. Sou a máquina do trem, és apenas um vagão substituível. Esse túnel não tem fim?
Sinto-me ameaçada pela desconfiança e pela tua possível escolha por esta mulher que consideras uma louca inviável. Lembras quando nem os passos dela suportavas ouvir? Ou das laranjas roladas no meio fio na volta do supermercado numa bebedeira de Deus me acuda? Que beleza de mulher tens!
Sinto-me mal por que ainda ontem passei a tarde falando em ti para minha psicoloca, ou psicóloga para os que acreditam em padrões estáveis. Ela dizendo que eu encontrei quem me aceita como sou. Ouve-me. E a maluca sou eu!
Escutas-me por te convir. Não podes captar tudo que nego ou aceito para estar contigo. Podes ouvir ou selecionar o ouvido? Quero para mim um ouvido destes. Tudo é como entra por ele e não o realmente dito. Se eu falo é apenas som por que minhas mãos ainda enlaçam as tuas e eu tremo idiotamente por ti. Quero ainda que me digas que sou a mais importante de todas, mesmo sabendo que não sou. É, tem razão a psicoloca, a doida sou eu. E como! Como o pão que o diabo amassou por minha própria escolha. Reclamar do quê? Consinto. Eu sinto.
Agora, tão besta ainda, acho que possas ter dois segundos e me mandar por email um beijo de fim de semana. Nem virtual virá. A fila à minha frente é grande e estás apaziguado de tua angústia e talvez com isso fiques mais tolerante e acaricies os cabelos do fantasma como acariciaste os meus. Talvez fales as mesmas coisas vãs que ouvi em êxtase fazendo de conta que acreditava. Queria acreditar. Ainda quero?
Não virá por que tens um preço alto a pagar e tens que levar a cachorra para mixar, isso é trabalho demais para a coitadinha. Amanhã tens que levantar cedo e comprar pão para os meninos. É compreensível, tens que mostrar serviço para comer e a bebedeira do fantasma não permitirá que se levante antes do sol estar a pino. E o sarro da maconha dá uma leseira!
Tudo aconteceu por acaso, nada estava programado. Mentira! Busquei-te com unhas e dentes para sanear minha solidão e meu desejo de homem que não morre nunca. Amaldiçoada sou pela famigerada feminilidade sexual pulsante e livre para sentir essa coisa chamada desejo que nos leva a querer realizar atos por puro prazer. Essa droga que me aprisiona como pássaro na gaiola. Logo eu que quero respirar a vastidão.
Imbecil! És mesmo um imbecil. Eu te traí e com que satisfação! Na traição me encontrei. Nem só as mulheres são objetos sexuais, os homens também o são. Enrosquei-me em outros homens e dei o que era meu e não teu: meu desejo, meu prazer. Minha entrega. Só minha e que não pertence a mais ninguém. Ponho aonde eu quiser.
Coloquei tudo isso em ti, esquecida que não se dá pérolas aos porcos. Ensinamento quase tão velho quanto o mundo e tão mal aprendido. Apreendido.
Traio todos os homens que me traem. Que desserviço! Traio a mim mesma e sigo em busca daquilo que meu desejo, meu anseio e minha entrega almejam: não trair por não ser traída. Anseio pelo vazio.
Sinto-me enojada de tudo. De mim, de ti e... De todos que passarem por mim ou através de mim?
Pelo nojo, pelo fastio, dei-te um bom e eloquente ponta- pé na bunda. Aquele mesmo do qual tinhas tanto medo. Fiz. Não sem antes ter expurgado todos os fantasmas e pisei em ti como se pisa num verme do qual se quer livrar-se. Senti satisfação. Joguei em tua cara tudo o que engoli. Foi uma beleza. Tinha asco em todo lado. Uma grudenta forma de expressão bárbara.
Depois chorei, isso não viste, jamais te daria esse trunfo.
Ainda lembro as palavras de amor, infelizmente verdadeiras, com que me engoliste. Teu beijo... Tuas pernas pesando sobre as minhas. O riso fácil, a lágrima de despedida jorrando do olho. Teu desejo passeando pelo meu corpo numa sem-vergonhice encantada. Nossas safadezas indulgentes brincando de estamos sós. Nós dois. Tudo é possível.
As loucuras todas que fizemos com esmero e total alegria. Nada de teatro, de bonitinho. Putaria de primeira grandeza no aconchego de teu braço, de tua soltura a me trazer por estes caminhos nunca trilhados, onde esconder e balbuciar não faz parte do processo. Tua entrega. Descobri isso: homem também se entrega. Só nós dois.
Nós dois e o bater da chuva lá fora que nos obrigava a ficar na cama e no rugido do mar próximo. Nós rugíamos. Instaste-me a gritar. Que sacrifício! Gritar não fazia parte do meu brinquedo, mas teu prazer era meu prazer. Brinquedo de crianças vadias. Só nós dois.
Entregar-me. Quando será possível novamente? Deste-me demais e agora vago. Procuro entre os farelos que sobraram a tua sombra. Erro meu. Desfiz-me de tua ambigüidade. Feriu-me. Procuro a inteireza de encontrar em outro o reflexo de mim mesma.
Procuro o que não existe?
Procuro na sanidade de amor que não te entreguei.
O resto do não vivido vaga. Vaga longínqua que se eleva no horizonte e não se desmancha no regaço da areia.
Meu coração bate. Está vivo. Busco não viver fantasmas. Esconjuro-te para que me habite aquilo que ainda não tive. A temeridade da entrega total, aonde o Eu se resguarda sem medo de jamais ser visto, porém entrevisto nos espasmos que criamos como elos indissolúveis do que ainda não vivemos.
Espero...
Por quem?
O horizonte torna-se amanhecer e vejo a silhueta do dia que se aproxima coalhada de medo. Não sei se trará chuva ou tempestade. Se trará o sol suave e verdadeiro da meia estação.
Se numa volta do caminho eu te encontrar o fantasma serás tu. Nem te enxergarei. Não pertences ao mundo dos vivos.
Vago...

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