quinta-feira, 29 de abril de 2010

CONFESSO QUE APRENDI...



Aprendi...
A ouvir os passos da noite
sentindo os pés no chão.
A jogar no fogo
os véus do pudor infecundo.

Aprendi contigo que podemos pensar
que não somos deste mundo.
Somos pássaros, astronautas,
filósofos e artistas,
mesmo quando a vida nos chama
de ilusionistas.

Aprendi que mão na mão,
é carinho.
Não tem idade, nem feição.

Do cume de altos montes,
teus braços ao céu erguidos,
joguei à fome dos inválidos,
minha vergonha já mastigada.
De todo o suco, amputada.

Joguei aos porcos,
o chorume dos repolhos podres,
com que me alimentei,
depois de me teres ensinado
a cor do sorvete derretido
e dentro da tua boca,
sorvido.

Aprendi que a noite
também é dia.
O dia, na noite se esconde,
quando o cansaço sacia
o desejo do meu corpo no teu.

Aprendi que rir alto,
não faz mal.
Traz inebriante alegria
nas brincadeiras de nós, crianças,
para sempre baldias.

Tu me trouxeste,
em grandes braçadas,
o despertar da vida latente
que em mim, só ardia.
Brasas que eram
a perderem-se no cinza graúdo
de meus dias.

Gosto de chocolate amolecido,
terra de sal e de azeite,
nas dobras de teu aconchego
me mostraste.
Ostras, calamares,
cogumelos bravios,
ondas dos sete mares.
No meu ventre derrubaste.

Em vestido de festa,
transformaste
a nudez de meu seio.
A sisudez, o aviso, o não faça,
liquefizeram-se na tua risada
escarlate.
Da cor de teu coração
que, entre beijos,
me doaste.

Nos porões, os ratos ainda gemem,
soam seus ruídos mesquinhos.
Não são ratos, meu bem,
mas passarinhos.
Recolheste assim, meu medo em abraços.

Refeita e nua,
reconheço
a vastidão do que me deste.
Doce, tropical, ardente,
a visão onipresente
da vida em mim pulsando.

Te confesso, aprendi,
a amar tudo aquilo que vivi.
O bem e o mal,
a hora boa e a hora torta,
o conchavo e o concílio.
Te confesso,
em ti, eu vivi.

Se partires, pela porta entreaberta,
hei de chorar, estou certa,
mas não lamentarei
nem sequer a saudade que amargarei
porque o vivido
jamais será esquecido.

Meu peito, amornado para sempre,
te carregará, preciosa dádiva,
inesquecível presença,
das ousadias que ousei.
e do amor que roubei

Vana Comissoli

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