quinta-feira, 29 de abril de 2010

NÃO CASO, ACASO


Este sim.
Este não.
Este tira o pão da mesa,
onde está meu coração?

Tamara tomara que caia aqui na minha mão, abriu as janelas e entrou bruma. Pesada, ousada, instalada na sala de estar. Lá fora o sol olhava torto se esbanjando em todas as janelas, menos na dela.
A maldita organização fez com que buscasse a vassoura atrás da porta depois de escovar os dentes sessenta e nove vezes. Gostava de dançar com a vassoura palhaça das perdidas ilusões. Mas hoje...
A raiva abriu as comportas trancadas e esquentou.
Quando a raiva esquenta é bom. Deu um ponta-pé no raio do aspirador e jogou o espana-pó pela janela. Com a ponta da faca sempre afiada furou o balde. Resolveu encher o saco da vizinha de baixo regando as plantas do beiral até que a água se transformasse em cascata borbulhante da indignação dos sentimentos. Não atendeu o interfone da reclamação. Mandaria a fulana à puta que o pariu.
Tamara estava mais para tomara que caia na cabeça de alguém. Nem tâmara, nem tô na marra. Estava era puta da cara mesmo.
Na mesinha de cabeceira os incensos da paixão não tinham sido acesos e a camisola nova e provocante se escondia envergonhada pela virgindade flagrante. Os desgraçados lençóis ainda recendiam aos aromatizadores sensuais com que os encharcara.
Aromatiza a dor e faz de conta que fantasia não se usa apenas no carnaval. Quem sabe dura uma vida inteira, ou um pouco que seja para depois se despir de tudo e ver que é real e o outro dorme ali do lado como anjo inflamado, explodindo a gente que é. Seria como sonho que não é sonho e a gente se belisca por que assim é bom demais apesar da reclamação que sempre vem..
Seria uma recepção e tanto. Não dera certo, o acaso não gosta de preparo, prefere ineditismo e surpresa. Tamara era do tipo detalhes são vitais e constroem os acasos. Boba. Por acaso, acaso tem detalhe? Tem nada! Cai de repente na cabeça dos incautos. Bolo de chantilly na cara melecando a perfeição.
Tinha programado sem se esquecer de nada. A casa, não por acaso, parecia um palácio rebrilhando, e os canapés agora oxidavam inflexíveis dentro dos pratos de bordas douradas sobre a toalha de renda portuguesa. E tinha que ser portuguesa essa infeliz? Achincalhação. Deveria ter sido de chita rude, com flores imensas e horríveis. Bem cafona mesmo. Não deveria ter arrumado o cabelo e muito menos colocado perfume na virilha. Quase arrancara a pele esfregando a aspereza para que a seda escondida aparecesse.
Era uma raiva poderosa, ainda bem que não tinha nem gato, nem cachorro, com certeza os pobrezinhos estariam grudados na parede como um quadro desenquadrado. Por sorte esquecia do costureiro cheio de agulhas pontudas e ferinas senão as colocaria sob as unhas para que a tortura se materializasse. Permitiria chorar. Chorar era uma coisa tão fora de moda! Fazia tempo que esquecera este alívio. Forte, uma mulher que se garante. Tamara tomara que morra estava de saco cheio deste encargo, queria mesmo era derreter-se. Sorvete dentro da boca de alguém.
Sair desprevenida, caminhando ao Deus dará, nem pensar!
De repente poderia dar um encontrão no acaso vestido de homem cheiroso e isso seria um estrago danado. Aquele que mais queria. Se, ao dobrar a esquina tropeçasse e o tal vestido de príncipe, apeando do cavalo branco viesse resgatá-la? Ai, santos! Que medo! Poderia se apaixonar, coisa que mais desejava no mundo e ainda não tirara da cartola.
E se o príncipe caísse do cavalo batendo a cabeça nos paralelepípedos se transformando em sapo? Controla que controla e escolhe sempre errado que certo está para não correr o risco de se apaixonar. Coisa mais sem pé nem cabeça, com a cabeça no meio das pernas, lugar quente e inadequado que grita quando deita de pijama fechado até o pescoço para que as mãos não encontrem os caminhos.
O coaxar do passado saiu do brejo enchendo seus ouvidos do cheiro de lama e frutas apodrecendo sem serem comidas. Sapos é coisa nojenta, escorregadios e molhados. Odiava homens que suavam sem razão alguma, imaginava as mãos escorregando nas costas e os corpos sem poderem se encaixar por que deslizavam um sobre o outro. Nunca juntos, separados pelas glândulas sudoríferas exageradas. Não, suor anômalo, nem pensar.
Tamara tomara que sues sobre mim, não sabia o quanto o acaso sua e geme, às vezes até parece gente, sem perfeição alguma e fazendo umas bobagens monumentais.
Tamara maluca total pegou as seis calcinhas novas e absolutamente minúsculas compradas para que o acaso não a pegasse de calcinhas sem rendas e picou. A tesoura nem precisava de fio. Afiada estava pela decepção e o espera que espera, mas não vem. Porcaria de vida no silêncio da música que toca sem cessar.
Ai, que tivesse um macho para lanhar a cara e sentir o descanso de chorar num coração encostado no seu. Desmoronar e esquecer que a programação se rompera e os ditames do que for será são os imperadores de qualquer vida banal ou exótica, especial ou simples como todo dia.
O todo dia tem relógio de pêndulo e bate as horas pontualmente para levantar, agir, corresponder ao esperado, mesmo querendo se tonar absolutamente inesperado.
Deixa a vida me levar e a bandida não leva para lugar nenhum. Perder o controle. Jogar-se pela janela e planar como pandorga que o vento leva para o lado que quer. Sentir o vento transformando as águas paradas em onduladas ondas remanso. Remanso que não é manso, desmancha as cobertas, cheira a sexo e suor no quarto de portas abertas e os gritos fugindo para escândalo de meio mundo, antes fosse do mundo inteiro. Que meio mundo é coisa para bundões organizados e controladores que tomara que saiam da vida de Tamara.
No minuto seguinte, seculares segundos engatados, estava abrindo o armário e vestindo a escandalosa saia vermelha que sempre temera. Tamara, como temes! E a blusa verde berrante. Tamara, berra logo de uma vez por todas, pára de arrastar as tentativas de seres o que os outros não querem, que não queres ser e tanto não queres que acabaste sendo o contrário de tudo que queres. Liberdade cheia de elos e correntes que te seguram na diferença indiferente de ser diferente.
Tamara tomara que erres e deixes de ser perfeita e maravilhosa que errar dá reviravoltas e voltas revoltando a vida para transformar o errado em certo e o que não era em era ou sendo ainda.
Tamara desamarra as amarras, te veste de Jorge, com roupas e armas e vai ali para a esquina onde o acaso te espera vestido de azul Ogum para a vida terminar de se revoltar e faz de conta que tudo é verdade, que todos não apenas rastejam atrás de uma porção de riso, mas criam riso nas bocas cansadas e desamadas desarmadas agora, onde o beijo se esqueceu de repousar.
Se o riso se desmontar, não dá importância por que depois que o sol raiar isso não terá mais importância alguma, uma vez que lágrima também se troca e se enxuga. No frigir dos ovos podres que gelam sem se transformar em omelete, queres é um punhado de dor, de choro para que as coisas não se acabem neste fio sem fio de contas que perderam o brilho.
Pára de dizer, dou, não dou e ficar olhando as flores amarelas trocando o esfuziante colorido por chochas pétalas enferrujadas e abraça o príncipe vestido de lugar comum por que este dá para abraçar e o outro só consegue se esfumaçar.
Dá de uma vez e desce correndo as escadas, ou pega esta coisa que chamas de telefone e diz logo que ele venha por que as calcinhas estão cortadas e a camisola abusada pelo teu vômito de vazio.
Tamara tomara que estateles a cara na parede e quebres tudo aquilo que é cristal fumê escondendo o que realmente sentes.
Tamara, mostra a cara de uma vez que deste jeito ficarás tamarino, para sempre tô me rindo de hiena que sou.
Tamara mostra a cara que não sou anjo para ficar de banjo tocando no teu réquiem.
Vana Comissoli

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