domingo, 5 de junho de 2011

CACHORRADA




Tudo bagunçado outra vez! É entrar em casa sabendo que sapatos estarão rodopiando pela sala, alguma coisa roída na cozinha e cheiro de sono no ar. Dá um cansaço!
Meus ruídos despertam sono pesado e logo verei o olhar imperativo de “não me machuque”. Impossível resistir apesar de saber que é errado ceder, o chefe da matilha deve ser eu. Logo em seguida sentirei a onda de carinho, as palavras que mal compreendo resumidas a sons repetitivos. Já estou acostumada, fui eu que escolhi, sem possibilidade de reclamar. Ainda sou dos antigamente quando se era fiel à palavra empenhada, à cara com vergonha, a coca-cola de garrafa, não descartável. Então...

O que se faz de noite? Ela é tão longa, se estende pelos trilhos das horas sem estação de chegada antes do amanhecer. Inverter horários... Ora bolas! Quem liga? Uns são do dia, outros são da noite, isto é estatístico, eu li num pedaço de revista qualquer na sala de um psiquiatra qualquer. Tudo é um qualquer na minha vida, não tem muita diferença uma coisa da outra. Momentos.
Esperar... Odeio esperar, as revistas são sempre antigas e eu tenho um bolo indigesto na barriga que me morde o tempo todo. De noite tenho que esperar o dia de dormir chegar. Dormir... Nem sei se gosto. Meu notebook está à disposição, outro tipo de viagem, um pouco menos avassaladora, mas ainda assim... O tempo passa, passa sem passar nunca, a vontade de sair pelas ruas sem rumo e com rumo certo, é tudo que preciso segurar. A ansiedade que têm minhas pernas para andar e agora estou preso aqui neste apartamento sem portas. Estou sozinho na noite desta casa que finjo que conheço e com estes cheiros de gente sadia que me persegue sem trégua.
Sou um peixe fora d’água desesperado para submergir no mundo que me domina. Telefone... Telefone também ajuda. Não me preocupo se ligar para a Colômbia ou o Marrocos é caro ou não, minha mãe paga tudo que preciso, é o dever dela que me fez inválido e deformado. Ela fez e eu pago o pato. Que sacanagem!
Atirar-me no sofá ou da sacada é tudo a mesma coisa. Eu jurei não me jogar mais, isso foi há 3 meses atrás, já passou a validade. No supermercado os produtos perdem a validade, estou exposto para compra e venda, também perco a validade que não me vale de nada.
Um intruso tilinta meus pensamentos... Vieste novamente me visitar? Como és lindo! Contigo tudo será mais fácil e ter-te nos braços me fará desejar viver.
Ai, que medo. Me desentenderás como todo mundo? Exigirás que seja medíocre e vulgar? Não, claro que não. És tão jovem, te torcerei e retorcerei até que desta vez não reste pedra sobre pedra de ti e serás assim completamente meu. O amor que nunca tive. Amarás o que eu amo e nunca mais me sentirei perdido. Se doerá? Talvez um pouco. Eu me torço todos os dias, acabou que acostumei. Fico triste? Fluoxetina. Eufórico? Lítio. Agressivo? Qual qualquer coisa as pessoas chamam de agressividade, mas eu li que é muito melhor esvaziar. Quebrar uma cadeira tirando lascas da parede é pouco para o vulcão que vez em quando sempre entra em erupção dentro de mim. Casa sem cadeiras é charme, meus amigos adoram as almofadas pelo chão e agora o vizinho não tem barulho para encher os ouvidos de minha avó quando ela vem. E vem demais, no controle o diabo da velha, traz dinheiro então aguento. Sou um artista, é difícil ganhar. O mundo não está pronto para minha arte e tenho pouco tempo de realizá-la, tantas coisas para fazer... Banho, escovação de dentes, roupas para levar na lavanderia, comida pronta boa, não tem em qualquer lugar. A vida às vezes é um estorvo.
Se eu vou te machucar? Ora... Que besteira, claro que não! Eu te amo. Vamos brigar de vez em quando. Normal, né? Fico brabo, muito brabo, mas sempre com razão... Se não me deixam dormir, se me obrigam a comer, se minhas necessidades ficam à deriva. Só preciso de amor o resto é tudo invencionice. Confia em mim, eu te amo. Amo, amo, amo. Transbordo de amor por ti. Claro que já amei antes, mas nunca tinha ficado noivo, é a primeira vez. Te liguei por que tua voz é minha seiva, meu pão, meu mel... Tudo de bom que eu possa imaginar. Doce bala de coco. Sei que é tua primeira vez, serei cuidadoso, te ensinarei com paciência, conheço minhas responsabilidades por um amor tão puro. Uma pequena dor é tempero delicioso, aos poucos descobrirás o prazer da dor. No sexo deslumbrante que te apresentarei, ela te mostrará toda a sua majestade. Acima de tudo confia em mim, sou vivido. Se soubesses quantas rodas já enfrentei! Saí ileso, juro. Sempre alguma cicatriz resta. Normal, né?
Me dá uma raiva esta distância! Esbofetearei a puta da minha mãe que me obrigou a voltar, se não fosse isso estaríamos enroscadinhos. Espera, está entrando uma ligação.
Oi, amor! Claro que não te esqueci, sabes que sempre terás meu abraço para ti, vazio de ti. Volto logo, semana que vem. Só o tempo de visitar meu pai, faz 5 anos que não o vejo. Talvez não vá, me disseram que está numa profunda com a cocaína, não posso me expor. Não, não usei, eu juro. Morrendo de saudades! Olha, entrou outra ligação. Beijos, te amo.
Voltei. Meus créditos estão no fim, amanhã aviso minha mãe e poderemos falar de novo, nunca é o suficiente. Sim, só tenho a ti. Que desconfiança boba. Repito: tens que confiar em mim, és meu e sou teu. Que pergunta é essa? Nãããooo! Claro que nunca usei drogas, são o mal em vida. Beijos e beijos.
O dia amanhece, comerei alguma coisa para dormir. Não posso fazer barulho algum. De que jeito se vai à cozinha sem fazer barulho? Impossível! Ela já dormiu bastante, não fará mal dar uma acordada, afinal é do dia. Gente do dia sim faz barulho demais, incomoda meu sono, não há respeito neste mundo. Será que vai me despachar? Não incomodo nada. Esses meus pensamentos negativos, não darei ouvidos, estou bem, muito bem.

Sempre me preparo para encontrar as coisas como não eram antes dele vir, desorganizadas e sujas. Fuxica nos vasos, come as plantas... O que fui inventar? E lá vem ele abando o rabo, se alisando em minhas pernas, latindo alegremente. Como se pode ver emoções no latido de um cachorro. Eu o trouxe, perturba, mas aprendi a amá-lo até que cresça e se acalme. Não demora muito, quem demora e às vezes não cresce nunca é gente.

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