domingo, 22 de maio de 2011

HISTÓRIA SEM FADAS

Eram 6 horas da tarde quando Amarelo acordou. Tivera uma boa noite invertida, era assim desde que começaram a reforma da Praça da República no centro do centro de São Paulo. Os homi não incomodavam mais e o barulho diurno das máquinas e do trânsito era cantiga de ninar para seus ouvidos zoados. Tinha que descolar algum para comer, a larica estava das pesadas, estava na urgência, sem tempo de encontrar uma velhinha distraída da bolsa para fazer uma parceria imposta de grana. O mais legal seria ir direto para a pequena rua que serpenteava em torno do Copam, aquele prédio batuta que aparece todas as manhãs nas notícias de trânsito encrencado. Sabia das coisas porque sempre parava diante da vitrine 24 horas de TV quando ia dormir. Bem certinho como quem bate ponto depois de descer na estação República do metrô apinhado de gente. São Paulo é assim, quando uns dormem, outros acordam. Não sossega esta cidade?
A turma do comércio diurno estava saindo da labuta, os do turno da noite prontos para entrar em ação. Logo encontrou o Zé do Pinho encapuzado como ela, a cabeça enfiada até os olhos no moletom que um dia foi preto e agora era meio “onde está a cor”. Chapéu não era uma vagabunda qualquer, dava duro, antes de fumar a primeira pedra vendia umas quatro ou cinco, era o trato a cada R$25,00 ganhava uma. Tinha que se puxar, a concorrência era braba. Bem que poderia trabalhar no dia era mais calmo, mas sabe como é, uns são do dia e outros são da noite. O Professor que sabia das coisas tinha ensinado isso e entendia da tal Psicologia. Quem vai duvidar, ele viera da Vieira Couto, tinha casa e tudo, um estudado.
Chapéu não sabia o que estava escrito nas estrela para ela, ora quem vai ler estrelas? Só os babacas que ficam caídos de boca prá cima olhando o céu. Esses eram da pesada mesmo e até espumavam pela boca. Ela não, era sabida e não atolava demais na pedra. Tinha que ter olho vivo para ver se os homi não tinham decidido dar uma de moral para repórter que gosta de ver o nome no jornal nacional. De vez em quando acontecia, ela até já tinha sido atriz, se reconheceu pelo capuz amarelo, ainda bem que a cara não apareceu, era de menor e não gostava da FEBEM. Os camaradas tinham contado que lá era foda, se apanhava igual cachorro sarnento.
Pois é... Sem saber ler estrelas e muito menos o que estava escrito no Tarô que nunca tinha ouvido falar, ela não imaginava que este dia era marcado pelo diabo. Este conhecia bastante bem, digamos que fosse seu amigo íntimo. Pelo menos já se deitaram juntos umas 30 vezes, era dono do pedaço o Diabo Mico, foi com ele que perdeu os tampos aos 13 anos. Isso é apenas detalhe, tampo é para ser perdido mesmo. Refri a gente não tem que abrir para tomar o gostoso? Burrice esperar, a vida é curta. Nesta zona ela é bem curta, ou se morre embaixo de carro vendo preto Audi onde é apenas Fiat velho, ou se morre de tiro perdido por polícia zoado, ou se morre de morte morrida de tanto crack na cabeça. Já estava uma velha de 16 anos, daqui a pouco começava a contar ao contrário e a vida ia encurtando, mais fácil assim e a gente ia pensando que vivia bem mais.
Depois de pegar a trempa procurou a clientela segura, os de fé que eram fáceis e sempre tinham dinheiro, o cara do mercadinho, a guria do sebo e outros deste naipe burguês. Não sabia o que era burguês, mas diziam que eram os bacanas que davam um jeito de ficar no invisível e por a turma na cadeia de vez em quando assim limpavam a própria barra. Isso era chato porque para sair na boa tinha que dar para os guardas e eles reclamavam do cheiro. Ora, estavam pensando que banho era fácil? Tinha que ir ao albergue, coisa filha da puta de chata, eles ficavam na fiscalização para ver se não tinha pedra escondida e quem pode dormir direito de cara limpa deste jeito? Só otário.
O Lobo vinha se balançando todo com aquele ar de Bredi Piti. Adorava o Bredi, tinha visto um filme inteiro onde o cara aparecia peladão o que lhe valeu belas e boas horas de suruba com os três moleques mais legais do pedaço. Dava até para agüentar rodada esticada, mas a pedra rolou solta e desabou. No dia seguinte procurou os malandros, eles estavam em outra e não deu para repetir a dose. Melhor, esse negócio de sexo tinha perdido a graça, a pedra fica com tudo, até a com coceira no meio das pernas.
Pois é, lá vinha o Lobo e ela se ouriçou toda, diziam que o cara era mau e ela estava louca para ver a maldade. Ouvira que ele comia pesado e às vezes até queria comer a avó da gente. Não dava para arriscar porque nem sabia onde andava a velha, nunca tinha visto as fuças dela.
Resolveu parar na lanchonete e choramingar um sanduba, o português quando estava de bom humor e tinha comido bem a mulher de noite, dava um bom demais, com mortadela e tudo. Até passava manteiga. Era um desses dias e se fartou, a sorte é que o estômago não agüentava muito e era uma pena perder iguaria jogando revolta no chão da rua. Ficou ali no hora veja até sentir que a mortadela caía bem e a disposição ficava punck, legal para enfrentar o lobo.
A floresta de concreto estava naquela movimentação, era bicho de todo lado, alguns veados balouçantes, várias hienas, muitas onça tigradas saindo da Boca do Lixo e toneladas de cachorros amestrados. Flores de plástico, coloridas e aveludadas, recheadas de pó se apertavam na mesa do camelô, sempre desejara uma daquelas rosas fosforescentes, ia ficar bem legal enfeitar o chapéu amarelo, a grana nunca chegava nela. Um dia... Quem sabe?
Nem percebera que o relógio batia nas 7 da manhã, seu “dia” passara voando, nem queimara tanta pedra e estava legal.
Atravessou a São João no acostumado da corrida, o Lobo resolvera se movimentar e já descia a avenida. Será que daria um giro pela Vinte e Cinco? Fazer o que? Lá tinha guarda de todo lado, de olho nos rapa para avisar os camelôs sem licença. Os pobres diabos ganhavam uma merreca como polícia e eram obrigados a um trabalhinho extra. Morria de medo, ao mesmo tempo os revólveres presos à cintura a excitavam, devia dar um barato transar com o cano deles, até arrepiou só de pensar.
Se chegou no Lobo como quem não quer nada, perguntou o endereço de uma rua qualquer, ele era entendido da floresta. Foi um cá lá e se amigaram bem legal, o cara estava na falta e topou dar um trato nela, até prá cama de verdade levou a mina.
Chapéu entrou meio desconfiada no quarto, esse negócio de 4 paredes era meio chato porque não tinha para onde fugir se pintasse sujeira, mas o Lobo... Valia a pena o risco. Tomou banho, dizem que perfumosa é mais chamativo e vá que o cara fosse do tipo tarado e enfiasse o nariz lá dentro. Uma tara é bom, os caras da crokô eram bate e volta e não se pode exigir na hora de ganhar uma pedra pelo serviço. Pensando nisso esfregou o sabão com vontade na pechereca que reluziu.
Foi toda se fazendo para a cama onde o Lobo já estava a postos e viu que estava completamente a postos, se assustou um pouco, nunca tinha visto uma disposição daquele tamanho. Tudo bem, a gente tá na roda e tem que deixar rolar.
O cara começou manso, até desanuviou a cabeça e a fumaça foi embora. Ficou bom demais embora batesse doído, tá na chuva é prá se molhar, pensou quando deu o primeiro grito.O Lobo riu alto e disse um monte de palavrão que nem se lembra quais foram, só ficou o “tu ainda não viu nada”. Era nordestino, o desgraçado. Tinha vindo atrás de trabalho e pegou pesado na construção ficando com uns braços que eram umas toras, ou tomava bola, vá lá saber. Virar ela de costas era um assopro e foi assim que Chapéu começou a aprender a ler estrelas. Já tinha feito este negócio de vira-vira, mas não com alguém tão apessoado e sem planejamento.
As tripas se revoltaram porque o Lobo dançava forró em seu corpo quase desfalecido. Ouvia os gritos de “caga, caga” e o riso subindo cada vez mais alto, “quero gozar, vamo lá vagabunda, “não te faz”. Antes de se arriar toda lembrou que tinha estado ali há muito tempo e que o porteiro era o Caçador Verde, não vacilou, berrou por ele. Na lembrança, a voz de Margarida retiniu: O Caçador é de fé, salva a gente se a gente gritar por socorrimento.
A porta abriu num baque se estonteando no chão e nem deu tempo de ver direito o cassetete improvisado abrir a cabeça do homem que brochou na hora com um mundéu de sangue esguichando nas costas dela.
Estrebuchada na cama do Clínicas contava a história toda para o polícia, nem quis saber se o Lobo estava morto ou estrabuchado, balbuciava entremeando cada frase com a lembrança desconexa:
- Moço, salva a minha avozinha que esta ela não aguenta.

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