segunda-feira, 28 de outubro de 2013

UMA MOEDA, OUTRA FACE

─ Quinzimmm... Quinzinhoooo... ─ Foi o chamado. O menino pré-adolescente rosnou de volta: ─ Joaquim! Não se deu ao trabalho de gritar a reprimenda, ouvido ou não, ele não seria atendido na exigência que já devia beirar uns 5 ou 6 anos. Não bastava o terem feito eterna miniatura do pai dando-lhe o mesmo nome, puseram a abreviação ridícula de Quinzinho. Era o apequenamento da miniatura. O drama é que apelido pega, quanto mais quiseres te livrar dele, mais gruda em ti como tatuagem mal feita e borrada que se odeia, mas não tem jeito de tirar. Nem sequer era parecido fisicamente com o pai e muito menos na maneira de ser. Não era o mais velho, onde poderia se achar algum tipo de explicação, como o tão esperado filho e essas coisas bobas que nem sempre traduzem um sentimento verdadeiro. Era o caçula muitos anos mais moço que o irmão próximo. Sem nem entrar no mérito que Joaquim era um nome prá lá de ultrapassado e que sempre o fazia passar vergonha. Os colegas tinham nomes como Alberto, Paulo, Gustavo e ele precisava dizer entre dentes o malfadado Joaquim. Coisa de velho, ruminava. Gostava do pai. Quem não gosta? Ama-se até um mau pai, pelo menos enquanto a consciência não está totalmente desenvolvida, precisava fingir que não gostava para mostrar sua rebeldia sem perdão. Isso dava um trabalho danado, era preciso ser respondão, tirar notas muito baixas, criar situações para levar umas boas lambadas ardidas (o pai era de antigamente igual ao nome) e outras coisas difíceis de serem feitas quando não nascem espontaneamente. Aos poucos, conforme crescia, foi se isolando, assim não precisava ouvir o chamado- punhalada no ouvido. Só não conseguia se livrar da mãe que insistia com o apelido. Em torno dos 17 anos resolveu se conhecer, ou melhor, conhecer o significado do nome estigma. “Joaquim: Surgiu no hebraico como Jehoiachim, que quer dizer estabelecido por Deus (Jeová). A partir deste dia estabeleceu o que considerou sua real filiação e deixou de ser o filho do “seu” Joaquim para ser o exaltado por Deus. Aliviou sua alma, nada estaria acima disso. Acreditou demais nessa salvação, muito além da conta. Foi adiante e descobriu outras coisas que também introjetou: Joaquim: Que ser independente e escolher seus próprios projetos, decidir sozinho e trabalhar sendo o seu próprio patrão. Com espírito pioneiro e desbravador, é sempre muito honesto e leal. Gosta de desafios intelectuais. Quer ser ouvido e sua maior recompensa é ser elogiado em suas habilidades e atitudes. Era isso mesmo que ele queria, caía como uma luva e foi fácil começar a exigir que o respeitassem, foi dizendo de cenho apertado que não atenderia quem o chamasse pelo apelido indigno de um filho de Deus. No início não deram muita importância, aos poucos foram obrigados a esquecer o carinhoso Qinzim. Se fazia de surdo quando a mãe o chamava assim e depois passou a dizer palavrões que ela nem conhecia o significado. Chegava a cortar pela metade a palavra quando pelo hábito começava a chama-lo. O pai ignorou e como quase nunca o chamasse não houve problema algum. Com os irmãos foi mais difícil, muito olho roxo e muita cara amassada rolou até que eles desistissem. Achavam uma burrice, afinal Joaquim não é um nome sonoro e gostoso que caracteriza um menino do século XXI, Qizim era o “canal”. Joaquim se fortificou, aprendeu que podia mudar as coisas que não o agradassem. Foi para a academia e desenvolveu músculos, socos, em 1 ano era um possante rapaz que inspirava respeito só de olhar. Ninguém se metia com ele, sabiam que viria bomba e nem mulher de milico gosta de apanhar até sangrar a cara. Ele não tinha piedade, marcava seu território a ferro e fogo. Tinha uma missão e a faria de qualquer maneira, era seu dever diante de Deus. Atingiria seus objetivos embora não soubesse quais seriam, isso era de menor importância. Descobriria. O que valia era o andamento da conquista que considerava respeito. “Os “Joaquins” aprendem com os próprios erros e suportam melhor a pressão física e mental do que a maioria das pessoas. Procuram amigos com interesses semelhantes, por isso não são muito sociáveis. Geralmente trabalham para si mesmas, pois não gostam de receber ordens, quando muito atuam como administradores ou gerentes, pois preferem dar as ordens. São em geral proprietários de seus negócios, ou então são aqueles que os gerenciam. Autoritarismo, presunção, dominação ou mania de exatidão, são fatores negativos do portador deste nome. Quando são reprimidos por algo se tornam tristes, ressentidos e limitados. Obter sucesso na vida é fácil quando colocam em prática suas próprias ideias e realizam seus próprios planos”. Se era tudo isso por que o pai não o respeitava devidamente? Por que o pai não desenvolvera sua potencialidade plena e se resignara a ser mais um funcionário público sem expressão? Esta limitação do pai fazia com que ele mesmo se limitasse. Todos os “Joaquins” tinham o dever de corresponder à imagem. Não via isso? Os aspectos negativos envolvidos não lhe diziam respeito, afinal era um predestinado de Deus e nada de ruim o tocaria. Depois de resolvido o problema do apelido, se atirou aos estudos, era evidente que precisava ser o primeiro da turma por mais difícil que fosse. Uma a uma as etapas foram vencidas e o vestibular foi ultrapassado com facilidade, era Joaquim. Arredio, de poucas palavras, mas gestos de comando e olhar furioso. Amigos não eram necessários, mais tarde provavelmente quando precisasse de contatos para que sua vida profissional seguisse a linha traçada. A solidão o alimentava bem como uma raiva cega e surda do mundo que lhe devia respeito. As coisas estavam neste pé quando conheceu a Mariana. Era uma moça de cabelos ao vento, pernas que sabiam correr e mãos em constante movimento. Gostava de falar alto, de fazer amigos e de curtir sexta-feira com grupo de amigos em algum boteco qualquer para estudantes. De preferência alternando os amigos, deixava mais dinâmico, dizia. Entrou na faculdade na metade do semestre vinda de outro estado. Sabe-se lá por que Joaquim se encantou. Não tinha nada a ver com ele e no início achou inconvenientes as piadas que interrompiam os professores, com o tempo (tempo bem rápido) passou a rir para dentro, ela era mesmo irresistível. A necessidade de conhecê-la levou-o novamente a pesquisar nomes onde encontrava seus tesouros. Mariana: “Muito ligado a família, e emotivo costuma exagerar nos seus cuidados e corre o risco de sufocar as pessoas que ama. Tem muita energia e por isso deve sempre manter-se ocupado com alguma coisa. Nos relacionamentos amorosos ou mesmo de amizade, quando se magoa, procura se recolher para dentro de si mesmo e só sai quando recebe um pedido de perdão. Um bom conselho seria aprender a controlar seu temperamento e deixar as pessoas que ama mais na delas”. Era certo que ela não conhecia a própria alma, aquela dinâmica de extroversão era uma fachada e ele a ajudaria a se descobrir sem que os aspectos negativos viessem à tona. Ajudando-a neste encontro reforçaria seu próprio destino de aceitar desafios e de receber elogios que receberia friamente sendo eles apenas reconhecimento de sua competência. Mariana nem sequer prestou atenção nele e aos poucos foi se incomodando com aquele “nerd” importuno a assediando de forma tão fria que a vontade era de vestir casaco e sair correndo. Por algum tempo apenas sorriu gelado para ele, não era mal educada e todo mundo entende sorriso sem graça. Ou não? Joaquim começou a questionar o quanto tinha sido contaminado pelo Quinzim que a força de seu nome, seu âmago não derrubava as barreiras da menina boba que gargalhava com todo mundo, menos com ele. A falta dos elogios do pai, só podia ser isso. Mesmo quando passou tão bem no vestibular ele apenas lhe dera um tapinha nas costas dizendo “é isso aí, Quinzinho”. Total desrespeito. Insistiu junto à Mariana como pode e aguentou. Os dias passavam e dentro dele crescia a raiva descomunal que naturalmente ele não expunha. Ela se desenvolveu a ponto de não poder mais encarar os irmãos e a mãe que era também uma grande culpada: deixará o pai lhe dar aquele nome idiota. As notas foram despencando e não era mais o primeiro da turma, não conseguia se concentrar nos livros, o rosto de Mariana rindo dele, debochando. Tentava se segurar em algum valor guardado do Joaquim, nada havia a segurar, Deus se calara. Estaria isso também estabelecido? Há carga em ser o preferido do Senhor? Qual era a missão que precisava enfrentar agora para retomar seu caminho divino? A resposta estourou numa madrugada de temporal entre raios e trovões. Recomeçar. Esta era a verdadeira forma de matar o Joaquim torto, com marcas de segundo, ele depois do pai, ele não o único. Só havia um jeito de ser o primeiro, os reis sobem em majestade quando deixam de ser príncipes, apenas um pode ser rei. “O rei está morto. Longa vida ao rei”. Cheio de sangue do pai nas mãos, não sentiu como se o rei estivesse morto e muito menos que fosse ter longa vida. Sentiu um gelo subindo pelo peito e estraçalhando os últimos sentimentos existentes. Até José teria servido, todos os nomes ou qualquer um, menos em nome do pai. Vana Comissoli

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