sábado, 30 de abril de 2011

NISSEI...NÃO SEI...

A onda gigantesca se levantou como um braço irado de Netuno, um jogar longe por desacato, tudo que estivesse pela frente. O tridente netuniano ferindo, cortando, estraçalhando revoltado. Nesta hora não tem etnia, capacidade, sexo, nada, o mundo se solidariza com os afrontados.
Uma catástrofe. As vozes apocalípticas se levantaram e cavalgaram os quatro cavalos, aos quatro ventos por todos os meridianos e paralelos. Reforçaram a previsão de que a ensandecida vontade de Deus quicaria na nossa cara a bola de descalabros que fizemos com o planeta. Todo mundo se benzeu como pode ou crê. Se não acredita passou a acreditar e tome sinal da cruz, arruda na orelha, ferradura da sorte e, se facilitar, até algum silício rolou, purgação pelos pecados.
Acompanhou-se o numero de vítimas, as cidades atingidas, o epicentro do fenômeno devastador. Lemos e ouvimos: “... um vagalhão colossal, enegrecido pelos destroços que já carregava, avançou pela cidade de Sendai”... O maior terremoto do Japão trazendo em seu bojo aquele vaga vadia, vadiando de olhos negros. O noticiário atraiu até os jovens de fones enfiados nas orelhas que trocaram a música da pesada. Não se sabia mais qual a importância do fenômeno uma vez que os números de vítimas e as caras desesperadas atraíam tanto a atenção. Riscos no cabo do revólver.
Mais surpresos ainda, chocados?, admirados?, vimos no dia seguinte o povo começar a reconstrução.
Concordo que é de ficar estupefato com os dois acontecimentos. O antes e o depois. Que será que surpreende mais a nós brasileiros? A visão da calamidade ou a incrível e mais surpreendente disposição deste povo acostumado às tragédias, arregaçar as mangas e se por a trabalhar. Um senhor com setenta anos e alguns, voltou ao terreno aonde sua empresa de construção repousava inerte e sonâmbula, começou a limpeza. Cada tijolo uma lágrima, sem dúvida, uma ferida nas mãos, embora japoneses tenham as melhores e preparadas luvas do mundo, mas sangra por dentro, como todos nós, mesmo que não tenhamos olhos puxados e fibra de aço.
Passou uma semana. As capas das revistas a cada dia colocando mães, filhos, e arraso em destaque, as reportagens da mídia gritando o descalabro em todas as cores.
Algum tempo antes o Haiti foi arrasado por um terremoto de menor magnitude, mas o número de mortos foi assombrosamente maior, 300 000 pessoas. No Japão cerca de 1 000. O país miserável tornou-se mais miserável ainda, se é possível. Baby Doc saiu das sombras como cavaleiro quixotesco e se refestelou a comandar ação nenhuma. Trabalhar de pensador é desgastante então traz do bom e do melhor para que as idéias do homem engordem enquanto ele também.
O Haiti jaz na miséria e na fome até hoje. Não existe no horizonte nem o bruxulear de um sol fraco. O Japão sabe quanto tempo levará para se reconstruir. Nenhum japonês pensou em sair de sua terra, há haitianos mendigando um olhar do governo brasileiro, meio acampados em Brasília, pedintes de documentos para trabalhar. Sem comida e sem perspectiva. Ruim aqui, pior lá.
O Haiti é pobre e negro, então...
As calamidades são mel para os sérios e os ridículos, cada um lida com elas à sua maneira. Uns tomam providências para minorá-las da próxima vez e criam mecanismos para que, de alguma forma, possam preveni-las. Os ridículos fazem escarcéu e secam lágrimas, olho atento na TV para assistir a próxima, melhor que novela das 8.
Mas... Espera um pouco,
“No dia seis de Abril de 2010 o Rio de Janeiro presenciou um dos maiores temporais de sua história. O temporal que atingiu o Estado teve início no fim da tarde de segunda-feira, dia 05/04/10 e deixou mais de 100 mortos. As regiões que se encontram próximas ao Centro da capital carioca, e a cidade de Niterói, na Região Metropolitana, foram as mais atingidas, segundo o Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro.”
Durante a madrugada o Rio começou a sofrer com a força da natureza. No município de São Gonçalo, os moradores sofreram muito com os barrancos e com os deslizamentos de terra. Muitos deles tiveram que abandonar suas casas com todos os seus pertences, pois o risco da situação era muito alto.”
As vozes sorumbáticas gritaram aqui também, os quatro cavalos balançaram as crinas de fogo. A morte aproveitou o festim e se esbaldou. O povo todo tremeu e ajudou, caminhões, aviões, carros, de qualquer lado translado do Brasil.
No Japão soou avisos e houve uma calma busca de abrigo. Já sabem que estão sobre uma falha geológica, o Anel de Fogo do Pacífico.
O Haiti, coitado, o aviso da fome de todo dia é soado dentro dos estômagos vazios. Para terremotos, catástrofes, só têm as mãos servindo de escudo.
O Brasil sabe em música, verso e ciência que nas águas de março rolarão cabeças.

Águas de Março
Tom Jobim

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol

Agora se fala, da boca para fora? “Rio terá centro de prevenção a temporais ainda este ano.”
Que beleza! Estamos nos tornando de primeiro mundo, agora já saberemos das mortes anunciadas desde sempre todos os anos. Algum político de olho nas próximas enchentes? Não, nas próximas eleições. Disse:
- Todas as obras de contenção ficarão prontas até dezembro, inclusive a estrada que liga a Prainha a Grumari.
Que piada! Vamos subir a serra fluminense e dar uma espiada? Não dá para subir calmamente, meu amigo, a prefeitura não tem máquinas adequadas para tirar o barro agora ressecado, o povo que ajudava foi ajudar o Japão que sabe se virar sozinho, o Haiti nem pensar em ajudar, é uma bagunça mesmo.
A lama seca cobre as ruas todas, as plantações, que plantações? Estão ao Deus dará. Mas os jornais estão cansados, a TV tem coisa muito mais atual para noticiar e o olho está mais no IBOPE do que em coisas tão antigas e sem graça.
As orações vão direto via Embratel Astral para o Japão. O Haiti ninguém sabe onde fica, se confunde o nome com Taiti e se torna uma beleza paradisíaca. O Brasil é povo divertido, com o pessoal do “jeitinho” nem precisamos nos preocupar.
Deus é brasileiro, dizem, mas parece que os brasileiros são cidadãos do mundo.
Os quatro cavalos troteiam todos os dias sobre nossas cabeças.

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