domingo, 23 de janeiro de 2011

A VISITANTE

Saiu do estado de letargia mantido durante os últimos três nyens. Alphonsus estava debruçado sobre ela, os olhos brilhantes de euforia. Ajudou-a a levantar e, com um gesto rápido, convidou-a a observar.
O grande visor abriu-se. Boiando no intenso negror estava o planeta azul imerso em sua fantasiosa harmonia, ainda assim belo e convidativo. Impossível deixar de sentir sua atração.
― É Gaia!
― É linda!
Uma emoção forte e primitiva tomou conta de Astene. Num segundo, milhares de vidas passaram por seus sensores e uma palavra estranha, sonora, tomou forma: Saudades. Virou-se para o companheiro perguntando:
― O que é saudades?
Alphonsus arregalou os olhos galácticos e profundos numa negação surpresa. Apertou um botão sobre a mesa de informações, uma tela se iluminou e desenhou em caracteres angulosos:
“Lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas dis-tantes ou extintas acompanhadas do desejo de tornar a vê-las.”
Uma imagem desconhecida, ou guardada no fundo da psique, nebulosa, veio à mente de Astene, com ela a nostalgia suave daquilo que se deseja novamente, já tocado e perdido.
A nave pousou com serenidade, tudo funcionava a contento.
Não foi a primeira a desembarcar, havia hierarquia, ela era apenas uma estudiosa aplicada que recebera como prêmio, a oportunidade de acompanhar a expedição.
A terra era verde e selvagem. Um fogo de vida e indisciplina brotava numa inquietante magnitude. Cacto vicejante, pleno de seiva alimentadora, para quem saiba escolher, senão... A morte.
Pequenos seres escuros e sorridentes os recepcionaram em festa. Todos se incorporaram à beatitude do momento. Apenas Astene continha dentro do peito um terror mágico. Uma premonição. Tentava fechar os olhos oblíquos para que não pudessem ler através deles o desvario e a ansiedade, tão desconectados com a rígida disciplina aprendida.
Escreveu em seu diário de experiências:
“Sou Astene, faço minha primeira missão, pensei encontrar mundos externos a serem desbravados, catalogados e transmitidos. Encontro o fervilhar de meu sangue e a impossibilidade de reportar-me aos tranqüilos sítios da meditação, como se tudo não passasse de uma viagem para dentro de mim. Perco minhas referências e percebo que... Não é possível que eu tenha sonhado. Sei de onde vim e onde estou. Não há psique forte assim, as coisas estão realmente acontecendo. Não é alucinação".
Tudo foi muito rápido. O reconhecimento da área, o encontro camuflado com os habitantes. A serenidade sendo retomada e a sensação de iminência se diluindo, até que todo sentimento parecesse um pesadelo.
“Hoje faremos contato direto. Estejam equilibrados e protegidos das violen-tas ondas emocionais que os terráqueos transmitem.” O instrutor foi incisivo en-quanto lançava olhares perscrutadores, nos punha transparentes. Abaixei-me para fechar a bota absolutamente composta.
Chegamos a uma sala apertada, as paredes oprimiam e eram tão densas que mal e mal podíamos vislumbrar o céu através delas. Reunidos em torno de mesa rude, ainda de madeira, encontramos seis terráqueos absorvidos em visões infantis e diluídas. Brincavam com suas energias tentando despertá-las e manterem-se organizados com elas. Volta e meia um deslizava e perdia a suave luz azul alaranjada.
Eu demorei a enxergá-los como individualidade, ao restringir meu campo de percepção eu o vi.
As mãos rebeldes postas sobre o colo, a testa ampla revelando sua procedência evidente, os olhos inquietos sob as pálpebras cerradas. Imediatamente percebeu-me. O coração disparou e um arrepio de premonição rompeu a possibilidade de concentrar-se. Os lábios moveram-se no enunciar de nome perdido e logo a luz violácea da nostalgia se consolidou em torno dele.
Voltei muitas vezes, meus mestres sorriam, compreensivos. Afinal toquei as cordas afinadas de sua percepção e ele tornou-se brilho rosa-fogo. Entrei cambaleante, em seu chakra básico e perdi as referências e os parâmetros. Enlouqueci. Nossos corpos rolaram no etéreo, bruxos e resplandecentes.
Conheci a nudez e jatos róseos avermelhados fulgiam em minhas pernas. O ventre, incandescente, dominava minha vontade. Ele também nu, os braços abertos e o peito como cama macia. Consciente sobre o estado de nudez soube que era apenas parte neste momento.
Abraços, beijos, sempre e sempre mais internos, me levaram, devagar, por mundos nunca cavalgados. Não fui sozinha, ele me acompanhava.
Meu corpo, novamente na velha dimensão, foi buscado. Um contato lento. Um roçar de lábios, uma mão na pélvis, encostar de peitos e depois a expansão. Viajei nas galáxias, vi sóis e mares, reconheci-me no Universo e de dentro de mim um jorro de luz. Fiquei em paz e olhei meu companheiro de viagem, entendendo no seu cansaço o mesmo encontro. Descobri a outra parte, unindo-as senti o Todo.
A nave subiu sem ruído. Eu, no dorso da terra, observava meus irmãos que partiam. Encolhi-me. Perdia muito e ganhava outro tanto, fugi da consciência. Tor-nei-me parte que busca parte.
Vana Comis-soli

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